STF começa julgamento sobre regulamentação de redes sociais
27/11/2024
Atualmente, as redes só são punidas quando descumprem uma ordem judicial para a retirada do conteúdo. STF começa a julgar ações que buscam regulamentação de redes sociais
Imagem: Reprodução/TV Globo
O Supremo Tribunal Federal começou a julgar quais responsabilidades as redes sociais e as empresas de tecnologia devem ter sobre os conteúdos que os usuários publicam.
Os ministros do STF julgam dois recursos que discutem as responsabilidades das redes sociais por danos causados por publicações feitas pelos usuários dessas plataformas.
E se elas devem atuar para remover conteúdos ilegais e antidemocráticos, discurso de ódio, racismo, ofensas, antes de uma ordem judicial.
Num dos recursos, o Google questiona se pode responder na Justiça ao armazenar ofensas escritas por usuários e se deve fiscalizar o conteúdo previamente.
Em outro recurso, o antigo Facebook, hoje Meta, questiona uma decisão da Justiça que o obrigou a derrubar um perfil falso e fornecer dados a respeito do computador usado para criar a conta.
Os casos julgados envolvem a aplicação do Marco Civil da Internet. A lei entrou em vigor em 2014 e regula a atuação das plataformas digitais, definindo os direitos e os deveres para o uso da internet no Brasil.
Mas o artigo 19 da lei isenta provedores de internet, websites e gestores de redes sociais de responsabilidade sobre o conteúdo compartilhado pelos usuários.
Atualmente, as redes só são punidas quando descumprem uma ordem judicial para a retirada do conteúdo.
O julgamento decidirá, portanto, se o artigo 19 é, ou não, constitucional, e em quais situações as empresas podem sofrer sanções por conteúdos ilegais publicados pelos usuários delas.
O julgamento terá repercussão geral. Ou seja, o que for decidido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal vai ser seguido por todos os tribunais do país.
No início do julgamento, o presidente do STF, ministro Luiz Roberto Barroso, afirmou que chegou a hora de o Supremo decidir a matéria. E que a Corte aguardou uma legislação, que não veio.
"Uma discussão importante. O tribunal aguardou por um período bastante razoável a sobrevinda de legislação por parte do Poder Legislativo e, não ocorrendo, chegou a hora de decidirmos essa matéria”, diz o presidente do STF.
A regulamentação das plataformas digitais está em debate no Congresso Nacional desde 2020. Em 2022, o Senado aprovou um projeto para regulamentar as redes. A proposta foi enviada à Câmara, que no ano passado adiou a votação por falta de consenso entre os deputados.
Em maio deste ano, o plenário aprovou um pedido para que o projeto fosse votado com urgência, mas até hoje isso não aconteceu.
O debate sobre a responsabilidade das redes sociais acontece em outros países.
Em fevereiro, a União Europeia aumentou o rigor sobre as plataformas digitais e provedores de internet. Independentemente do tamanho, elas agora têm que oferecer aos usuários mecanismos para denunciar conteúdos ilegais e também agir "rapidamente" para eliminá-los.
No Brasil, especialistas afirmam que, da maneira como está hoje, as redes sociais servem para massificação de mensagens com crimes de ódio, terrorismo, racismo e ataques às instituições democráticas e que essas empresas não respondem pelos danos.
Os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, relatores das duas ações, apresentaram seus relatórios sobre os casos. Os posicionamentos dos ministros sobre o tema só serão conhecidos quando eles apresentarem os votos.
"Nós estamos aqui a discutir, sim, perfil falso e conteúdo ofensivo e ilegal. Só para esclarecer os eminentes advogados e advogadas do Ministério Público que farão a sustentação oral. É amplo", diz o ministro Dias Toffoli.
“Só para acrescentar, nós vamos discutir nos votos não só, nós vamos discutir especificamente que tipo de conteúdo é vedado às plataformas, não abolirem e também as hipóteses em que situações a notificação pode vir a levar à obrigação de retirar o conteúdo. Então, é uma discussão bem completa: perfil falso, conteúdo e em que hipóteses, notificada, deve retirar o conteúdo”, diz o ministro do STF Luiz Fux.
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O advogado da Meta, José Rolemberg Leite Neto, disse que há um esforço por parte das empresas para a retirada de conteúdo criminoso e que a empresa defende o aprimoramento da legislação existente.
"Como se sabe, o tema está em discussão no Congresso Nacional e a Meta tem colaborado nesses debates. Ela busca uma solução legislativa justa para o equacionamento das relevantes questões ali discutidas. Mas a possibilidade de haver mudança legislativa e aprimoramento não importa dizer que o modelo brasileiro é, só por isso, inconstitucional", diz o advogado.
O advogado do Google, Eduardo Furtado de Mendonça, também defendeu o aperfeiçoamento do Marco Civil, mas não a responsabilização das plataformas.
"Não faria sentido responsabilizar uma plataforma por não haver removido um conteúdo cujo o exame é polêmico, é sujeito a valorações subjetivas, que muitas vezes são objeto de divisão no próprio Poder Judiciário", argumenta o outro advogado.
A Associação Brasileira dos Centros de Inclusão Digital foi um dos autores do Marco Civil da Internet. O advogado da associação Daniel Dias disse que os usuários recorrem ao argumento de liberdade de expressão para cometer crimes e que hoje são as próprias plataformas que determinam o que removem ou não.
"Então a questão não é a remoção ou não desse conteúdo. A questão é se essa remoção vai ser feita tão somente -- e apenas -- com base nos termos de uso e compromisso, que são estipulados unilateralmente pelas próprias plataformas. Então, não é que elas não querem e não removam, elas não querem ter que remover com base em regras estatais. A nós nos parece que essa influência de regras estatais é, sim, positiva", diz o advogado da Associação Brasileira dos Centros de Inclusão Digital.
O advogado da Confederação Israelita do Brasil argumentou que as redes, hoje, servem para a rápida propagação das mensagens de ódio.
"Excelências, não se trata de tornar ilegais discursos anteriormente lícitos, mas da obrigação de se estabelecer regime de responsabilidade e conformidade para o gerenciamento de conteúdo nocivo, manifestamente ilegal, nos seguintes termos em que nós propomos como teses: ilícitos tipificados criminalmente, especialmente o racismo, o terrorismo, instigação ao suicídio, violência contra a mulher e ilícitos contra crianças e adolescentes devem ser tratados e removidos em até 24 horas pelas plataformas que moderam os limites da liberdade de expressão", diz o advogado.
O julgamento será retomado amanhã, com os votos dos relatores e dos demais ministros da Corte.